terça-feira, 19 de junho de 2012



Tempo que ama

Na varanda do velho casebre do séc. XlX
A anciã sentada na cadeira de balanço
Tecia uma coberta rendada, cheia de flores
Assobiava, cantarolando Chiquinha Gonzaga
Enamorando o infinito à sua frente.

Como quem bastasse quieta
Flertando o passado 
Com saudosismo
Aguardando ser encontrada.
No falecido esposo

Lembrava dos campos
Do marido, dos cafezais 
Da mesa cheia, seus filhos rindo
Esperando a Galinha Cabidela

Ecoando felicidade pela pequena fazenda
Depois se despedindo, para morarem nas capitais.
A deixando só

E prosseguia a velha imaginando 
Vendo seu próprio filme se passando
Na tela do seu quintal armado
Com arrebol pintado
De cores laranjais 

Observava a lua, surgindo vagarosamente.
Então levantou, e ascendeu o lampião a querosene
Voltando imediatamente à sua lida
Como quem tecia marcas, saudades
Tentando achar motivação 
Permanecer viva

Ouvia o canto da Juruva
E o pouso do Beija-Flor tesoura
Enquanto corria por suas pernas um Tatu Bola.

Já era madrugada
O vento chegava forte
Trazendo sossego.
Era a voz do seu marido
Chamando:

- Zefa, vem fia, vem.

Ela sorriu meigamente
Lembrara de Roberto, seu amor.
Afrouxou lentamente as mãos
Deixou a coberta cair
Firmou os olhos, e viu uma nuvem de estrelas
Brilhando sem parar
Uma gigantesca revoada de Vaga-lumes
Fechou os olhos, e entregou-se aos braços da morte.
Como quem buscava carinho
Encontrando amor 
E com ele...
Partindo.

ALLIMA




Sendo Estações

Saí pra ser Outono
De folhas verdes
Outras secando, em amarelo ouro
Ao calor do sol morno

Em parques, luzindo
Coloridas flores
Sendo morada de ninhos, em galhos secos
Revoadas de pássaros se despedindo
Andorinhas, Beija-Flores, Rolinhas

De majestosas manhas frias
Dias curtos, com chuvas intensas
De neblinas espaçadas em serranias
Com estradas marcadas por folhagem
Por passos mais lentos.

Como quem buscasse inverno
Fogueiras, colchas, filmes, romances
Amores...
Num nevoeiro quase sempre estampado
Como quadro pintado
Ou cartão postal
Identificando uma passagem
Dessas, que transformam vidas
E indicam direção.


ALLIMA








O viajante

Era um caminhar solitário
Desses de estradas infinitas
Como as do sul da Bahia

Subindo e descendo
Numa reta só
Com coeficiente angular
Desses que pode-se ver o horizonte
A quilômetros de distância

Sensação de inércia
Vontade de correr feito vento
Pra poder chegar
Beijar o mar 
Banhar
Sentir o lugar

Depois voltar
Caminhando...
Tudo, metro a metro
sem parar
Buscando a direção oposta

Fazendo destino
Seu legado
Sem desistir ou refutar.

Só quem viaja pode compreender
A sensação de ver o mar
De conhecer horizontes
Dos sóis escaldantes
Das feridas nos pés.

Dormir ao relento
O cheiro da caatinga
Água do mandacaru
A onomatopeia da viagem
O som da criação de Deus

Os vilarejos as pessoas
As paixões...
Sem pedir carona
Apenas indo com brisa...
Ora pro norte
Ora pro sul
Sendo rosa de vento

Chuva tempestiva
isolamento.

Vendo o mundo de forma diferente
Andando...Vivendo...
Sonhando...Chegando...
Sempre partindo.
Num viajar de dar inveja.

ALLIMA